Calendário Ambiental e Metodologias [...] Ativas: Proposta para uma nova Educação

Autores

Máriam Trierveiler Pereira
Instituto Federal do Paraná

Sinopse

Atualmente, o tema “meio ambiente” é assunto veiculado todos os dias em todos os meios de comunicação e instituições de ensino. Não se pode afirmar com precisão, entretanto, que essa exposição seja devido à grande importância que este assunto tem para todas as pessoas. Há quem fale sobre o meio ambiente para obter vantagens próprias, sendo elas políticas, econômicas ou sociais, onde o interesse final é muitas vezes o aumento de capital ou poder. Outros falam sobre o meio ambiente simplesmente por se tratar de um tema atual.

Para se ter uma ideia de como o assunto é recente, basta observar a evolução dos estudos e dos discursos a partir da década de 60, tendo como marco a publicação do livro Primavera Silenciosa (CARSON, 1962). Nessa publicação, a autora denunciou os efeitos deletérios de agroquímicos no meio ambiente e nos seres vivos, o que levou, progressivamente, à proibição do pesticida DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) em escala mundial

Entre as décadas de 60 e 70, o cientista inglês James Lovelock, como consultor da agência espacial norte-americana NASA (sigla em inglês para Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço) elaborou a hipótese Gaia, com a valiosa contribuição da microbióloga Lynn Margulis (LOVELOCK, 1991). Muito criticado na época, hoje suas ideias foram transformadas em teoria, não mais hipótese. Dessa forma, desde então, os estudiosos e ambientalistas alertam para as ações ao planeta, pois este, inevitavelmente, apresentará reações (LOVELOCK, 1979; LOVELOCK, 1991; LOVELOCK, 2006). 

Com as inestimáveis contribuições de Carson e Lovelock, a humanidade conseguiu mudar um paradigma que persistia há, pelo menos, dois milênios. Obviamente muitos ainda escolhem não acreditar nas constatações científicas. O que lhes é direito, diga-se de passagem. 

Nas décadas seguintes, o movimento ambientalista ganhou força com a publicação de trabalhos de filósofos, como Naess (1973); físicos, como Capra (1975, 1982); biólogos, como Maturana e Varela (1984); economistas, como Sachs (1986); teólogos, como Boff (1993) e Francisco (2015); e historiadores, como Harari (2018), para citar alguns. Percebe-se, portanto, que o tema não se restringe a uma área de estudo e essa constatação permite que se conclua que o assunto é convergente partindo de todas as áreas. Neste caso, deve ser tratado como objeto de contribuição de todas as disciplinas, de forma complexa, não apenas estudado isoladamente nas unidades curriculares. Retornaremos a essa questão oportunamente no Capítulo 2. 

O fato é que, mundialmente, a tendência do olhar sistêmico-ambiental foi sendo consolidada com a realização de reuniões internacionais, que serviam, no mínimo, como alerta para diversas questões, notadamente às alterações climáticas. Infelizmente, alguns encontros tiveram mais discussões políticas e econômicas infrutíferas do que avanços para a preservação do planeta. 

Em 1987, cunhou-se o termo desenvolvimento sustentável no chamado Relatório Brundtland, fruto dos trabalhos da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, iniciados em 1984 (BOFF, 2015). A definição do termo envolve a satisfação das necessidades atuais sem comprometer necessidades das gerações futuras (com alguma “sorte” as crianças que estão nascendo hoje terão condições razoáveis quando forem adultas). 

Em setembro de 2000, de posse dos resultados e avanços nos debates sobre o desenvolvimento sustentável nas décadas anteriores, foi publicada a Declaração do Milênio, constituída por oito grandes objetivos globais, desdobrados em vinte e uma metas, chamados de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) (ONU BRASIL, 2020a). Os ODM (Figura 1) pretendiam, em quinze anos, diminuir a extrema pobreza e a fome no planeta, condições agravadas pela globalização em ascensão. A essa altura, a humanidade já entendia que o desenvolvimento sustentável só é possível na conjugação de esforços nas áreas de saúde, saneamento, educação, habitação, promoção da igualdade de gênero e meio ambiente (ROMA, 2019).  

As políticas públicas adotadas durante a vigência dos ODM surtiram efeitos positivos em todos os objetivos. Em nível mundial pode-se citar a redução da pobreza, da mortalidade infantil e da falta de saneamento básico. Contudo, na área ambiental foi observado o aumento de mais de 50% de emissões de dióxido de carbono. Apesar de ser constatado que na América Latina e Caribe 95% da população utilizavam uma fonte de água melhorada em 2015, essa notícia não é tão útil se cruzarmos com os resultados de escassez de água que, em 2015, chegou a atingir 40% da população mundial, com estimativa de aumentar nos anos seguintes (UN, 2015). Não há grande vantagem as edificações serem servidas por tubulações de água tratada se a fonte secar. 

Após o período de vigência dos ODM, a ONU apresentou uma expansão das responsabilidades dos seus Estados-membros com a publicação de dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 196 metas (Figura 2).

O documento apresentado “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável” mostra a maturidade de seus elaboradores e signatários, abraçando temas até então não cogitados como pertencentes ao desenvolvimento sustentável. Salienta-se que os dezessete ODS são “integrados e indivisíveis, e mesclam, de forma equilibrada, as três dimensões da sustentabilidade: a econômica, a social e a ambiental” (ONU BRASIL, 2020a). Assim, ONU entende que os ODS encerram áreas de importância crucial para a humanidade, os 5 Ps: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Parcerias e Paz. Sem embargo, eu diria que não são primordiais apenas para a humanidade, mas para nossa Casa Comum e a perpetuação da vida no planeta. 

No Brasil, as leis brasileiras começaram a acompanhar as vertentes globais na década de 80. Em 1981, foi decretada a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n° 3.938), que tinha como um dos seus princípios a educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive à comunidade (Art. 2°, inciso X). A atual Constituição Federal, de 1988, seguiu o fluxo do movimento ambientalista e garantiu a todos o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado. O § 1º do Art. 225 diz que o Poder Público deve, entre atribuições específicas de proteção, preservação e recuperação dos recursos naturais, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino. Observa-se nesse texto que dos sete incisos desse parágrafo o único que não apresenta regulamentação é o da educação ambiental. Isso ocorre porque, em 1999, foi decretada a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n° 9.795), com regulamentação pelo Decreto n° 4.281/2002. 

Em 2012, a Lei nº 12.608 incluiu na LDB (Lei de Diretrizes e Bases, Lei n° 9.394/96), a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios dos currículos de ensino fundamental e médio (Art. 26, § 7º). Porém, em 2017, esse texto foi alterado pela Lei nº 13.415 e o termo ‘educação ambiental’ foi retirado da LDB, causando certa estranheza e incoerência com as demais leis. A despeito desse fato, a preocupação com a sustentabilidade aparece em quase todas as áreas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (MEC, 2018). 

Apesar da confusão regulamentatória, o fato é que a educação ambiental é uma prática corriqueira, principalmente na educação básica (DIAS, 2010). Hoje em dia, as crianças em idade escolar básica que frequentam instituições de ensino estão muito mais a par desse tema do que a geração anterior, onde eu me incluo. Foi apenas durante meu período universitário que comecei a tomar conhecimento sobre questões de preservação ambiental, assim como também foi o meu primeiro contato com computadores, daqueles de telas pretas e letras verdes, com ambiente em MS-DOS e disquetes flexíveis do tamanho de um tablet. 

Não é preciso dizer o quanto a informática avançou nos últimos vinte anos, já que isso é visível e está até incorporado ao modo de vida das novas gerações. Mas, e quanto às questões ambientais? Para a minha geração, assim como para as gerações anteriores, isso não fez parte da nossa realidade no processo de desenvolvimento cognitivo. Talvez, por isso, tenhamos certa dificuldade em assimilar a ética ambiental como norteadora de todas nossas atitudes, sejam elas pessoais ou profissionais.

Sobre esse assunto, sabe-se que o aprendizado da criança é diferente do aprendizado de um adulto (PIAGET, 1979). O que se aprende na infância fica interiorizado na criança, como algo que sempre esteve lá, como um conhecimento, competência e/ ou habilidade inata, como se fosse constituinte do ser. Já o adulto tem consciência que está aprendendo, é algo que ele sabe que vem de fora para dentro, que não faz parte dele originalmente. Provavelmente por isso fica difícil assimilar certos conhecimentos e não tomar a atitude certa em determinadas ocasiões.

Com o arcabouço teórico apresentado, esse livro se justifica por apresentar uma metodologia que vai ao encontro do que é preconizado pelo conjunto de leis e políticas públicas que regem a educação ambiental, entendendo que disso pode depender nosso futuro no planeta. O conteúdo desse texto tem vínculo direto com os ODS 2, 3, 4, 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 15, e indireto com os demais ODS, além de promover a integração do ensino, pesquisa e extensão, já tão discutidos no âmbito educacional. 

Assim, diante do exposto, o objetivo deste livro é amplo e complexo, porém em construção: reunir informações ambientais, tendo como base um calendário de datas comemorativas (ou como alertas) relacionadas ao meio ambiente e propor a utilização de metodologias [...]ativas de ensino e aprendizagem que possam promover a educação integral e holística do estudante de forma transdisciplinar. Essas proposições podem ser utilizadas como instrumentos da Política Nacional de Educação Ambiental.

Por essa grafia “[...]ativas” estou querendo englobar outras palavras além da palavra ativa, como colaborativa, participativa, criativa, integrativa, significativa. Creio que com a consolidação do termo “metodologias ativas”, principalmente como sendo a utilização de didáticas antigas com uma nova roupagem moderna, já podemos avançar para deixar o conceito mais completo, ou seja, não adianta o estudante ser ativo no processo de aprendizagem, é preciso que o professor promova práticas adjetivadas pelas palavras que compõem a grafia [...]ativas. 

Essas informações devem servir para reflexões de professores e de estudantes sobre suas ações como seres humanos e habitantes conscientes do nosso planeta. É de extrema importância, e urgente, que a escola esteja à frente dessa revolução, posto que é o local certo para a indignação e a transformação; a independência e a libertação.

Este livro está organizado em cinco capítulos. O primeiro traz uma reflexão sobre o nível de lucidez da construção do pensamento ambiental no ser humano e como isso se transporta para as ações materiais. 

O segundo capítulo trata sobre metodologias concebidas para alcançar êxito no ensino e aprendizagem de questões complexas, como o meio ambiente. Serão abordadas as ferramentas metodológicas Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP, ou PBL, da sigla em inglês), o ensino híbrido, a sala de aula invertida, a aprendizagem por pares, a gamificação, a cultura maker e a STEAM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática). 

No capítulo 3, é apresentada a proposta de ensino utilizando o calendário ambiental organizado para esse livro. São discutidas, sem intenção de findar os assuntos, cada data relativa à área de meio ambiente que pode ser utilizada como ponto de partida para discussões no ambiente escolar e na comunidade. 

O capítulo 4 discorre sobre as considerações finais sobre educação e seu processo para evolução da espécie humana e, finalmente, no último capítulo são apresentadas sugestões de material didático (livros e filmes) como suporte às discussões e práticas, bem como indicação de leitura para os estudantes.

Máriam Trierveiler Pereira

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Publicado

15 October 2021