A Luta que se fez Terra

Autores

Jaci Poli
Instituto Federal do Paraná

Sinopse

A região Sudoeste do Paraná foi palco de um longo processo de disputa pela terra que remonta ao início do século XX. O momento mais crítico ocorreu no ano de 1957, quando se deu o confronto armado entre as empresas colonizadoras e as comunidades de posseiros, fato conhecido como Revolta dos Posseiros. A vitória armada dos posseiros, no entanto, não encerrou a luta. Mais alguns anos de insegurança e de negociação foram necessários para que se conseguisse a titulação das terras, dando materialidade à conquista de 1957.

Este livro tem como objeto de estudo o processo ocorrido depois da Revolta de 1957, quando se inicia um momento crítico da luta pela terra. Não eram mais as colonizadoras, nem os seus jagunços, que estavam assustando: era a insegurança de quem tinha consciência de que vencera o confronto armado, mas ainda não tinha decidido a seu favor o conflito agrário. Nesse sentido, é importante fazer a distinção entre o conflito agrário, que envolveu a disputa pela terra durante mais de cinquenta anos, e o confronto armado, que ocorreu em 1957, como consequência do agravamento das disputas pela terra.

O conflito agrário, que estabeleceu os contornos da questão agrária na região, tem seu início com as concessões de terras feitas pelos governos federal e estadual para a construção da estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande e também com a concessão feita pelo governo de Santa Catarina para que José Rupp explorasse a erva-mate e a madeira. Esses fatos ocorreram no início do século XX. Sua origem, no entanto, pode ser buscada no final do século XIX, quando o governo imperial estabeleceu os privilégios para as empresas construtoras da ferrovia, os quais deram origem aos pretensos direitos de propriedade reclamados pelas colonizadoras e pelo próprio governo do estado do Paraná. 

Esse conflito agrário pode ser caracterizado como a disputa entre os posseiros e as colonizadoras. O primeiro grupo queria a terra como espaço de vida e de reprodução social, com o domínio para além da posse; as colonizadoras, no entanto, queriam a terra como uma mercadoria, para ser fonte de lucro e acumulação, pela exploração da abundante madeira e pela posterior comercialização das terras.

O confronto armado foi consequência da violência e da tensão ocorrida no momento em que a disputa agrária se agravou. A Revolta dos Posseiros tem como referência o mês de outubro de 1957. No entanto, a partir de 1956, quando foram formadas mais duas colonizadoras para atuar na região, com a adoção de uma posição mais violenta contra os posseiros, a tensão foi aumentando gradativamente, até que estes chegaram à conclusão de que apelar para o governo e para as autoridades não resolveria a situação. Com isso, promoveram o levante armado, tomando as cidades, destituindo autoridades e expulsando as colonizadoras.

O conflito agrário já foi tratado por diversos pesquisadores. Estes, no entanto, concentraram sua discussão no período que vai até a Revolta dos Posseiros de 1957, isto é, até o desfecho do confronto armado.

Éverly Pegoraro (2007), em sua dissertação de mestrado pela UFF/Unicentro, em 2007, posteriormente publicada no livro “Dizeres em Confronto – A Revolta dos Posseiros de 1957 na imprensa paranaense”, analisa as disputas pela terra no Sudoeste do Paraná e a influência da política do governo Lupion no âmbito do conflito. Tem como objeto de estudo a imprensa paranaense e a Rádio Colméia, de Pato Branco, em suas manifestações sobre a Revolta de 1957. Seu estudo fica mais centrado no conflito armado e sua repercussão.

Já Elir Batisti (2006), em seu estudo sobre a luta pela terra, faz uma reflexão sobre os diversos conflitos que envolveram as terras no Sudoeste do Paraná. Concentra-se mais na questão dos conflitos, no período de 1950 a 1980, deixando o processo ocorrido posteriormente apenas como indicação do tipo de solução que foi encaminhada. 

Hermógenes Lazier (1986) é o autor que mais longamente trata das disputas pela posse da terra no Sudoeste do Paraná. Inicia com as disputas entre o Brasil e a Argentina, entre o Paraná e Santa Catarina, entre os posseiros e as colonizadoras, e faz um levantamento sobre os títulos emitidos pelo GETSOP, qualificando a titulação das terras como um programa de reforma agrária.

O estudo sobre a Revolta dos Posseiros de 1957, de Íria Zanoni Gomes (2005), apresenta uma análise muito profunda do movimento dos posseiros, sem, no entanto, avançar para a discussão do momento posterior à Revolta de 1957. Além de uma análise muito clara, a autora traz muitos documentos para fundamentar a sua análise.

Maria Cristina Colnaghi (1984) apresenta uma pesquisa sobre a disputa pelas terras no Sudoeste do Paraná, a partir de um olhar muito interessante em relação à postura dos posseiros em conflito, do exército brasileiro, do governo federal e do governo estadual no processo de solução do conflito entre os posseiros e as colonizadoras. A pesquisadora aponta as categorias pelas quais a população se reconhece (caboclo e colono), demarcando que são importantes para a discussão dos processos ocorridos na região.

O professor Ruy Cristovam Wachowicz (1987), em seu estudo sobre o Sudoeste, aborda de forma bastante detalhada toda a luta pela terra e sua solução, pela implantação do GETSOP, sem, no entanto, buscar uma análise a partir dos processos de titulação. Seu trabalho cita e analisa rapidamente o papel desempenhado pelo GETSOP no contexto do Sudoeste, abordando os fundamentos de sua ação.

Após pontuar estudos já realizados sobre a Revolta dos Posseiros, destaca-se que este livro tem como tema o estudo do momento posterior à revolta, quando os posseiros e suas lideranças passaram a fazer as negociações políticas para consolidar a conquista da terra. Da Revolta até a instalação do GETSOP passaram-se cinco anos, período em que a insegurança fazia parte do cotidiano dos posseiros.

A partir de 1962, quando é instalado o GETSOP, até o ano de 1973, quando ocorre sua extinção, foi realizado um trabalho enorme de regularização fundiária, envolvendo mais de 40 mil títulos para mais de 56 mil lotes rurais e urbanos. A constituição do Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP) teve seu marco inicial por meio do Decreto 51.431, de 19 de março de 1962, e, como marco final, a publicação do Decreto 73.292, de 11 de dezembro de 1973, que o extingue.

  O objeto deste livro é estudar a atuação do GETSOP na regularização fundiária e seu papel na busca da solução do conflito agrário, pela promoção da transição da posse para a propriedade da terra, transformando os posseiros em proprietários, com posse e domínio sobre suas unidades de produção familiar. O livro está dividido em três capítulos, com três subtítulos cada.

O primeiro capítulo é dedicado ao estudo da questão agrária e sua caracterização, com a finalidade de estabelecer a compreensão da transição entre as formas de relação com a terra fundamentadas em seu uso para a relação capitalista de propriedade, que se dá no domínio sobre ela, garantido por meio de instrumentos jurídicos, como as leis, os registros cartoriais e o aparato repressivo do Estado.

Em seu primeiro subtítulo, é realizado um estudo bibliográfico sobre a questão agrária na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, com foco no aspecto da constituição da economia burguesa e da sociedade de mercado e suas influências na relação com a terra. No capítulo, também, é estudado o processo de resistência camponesa à entrada do capital no campo, a partir dos fundamentos da economia moral dos pobres.

O segundo subtítulo é dedicado ao estudo da questão agrária no Brasil e à constituição do mercado de terras no país. São estudadas as principais leis que influenciaram de forma mais direta na constituição da questão agrária no país, desde o descobrimento até o final do período considerado neste estudo, no caso, o ano de 1973.

O terceiro subtítulo aborda a questão agrária na ocupação do estado do Paraná, observando o processo de povoamento, da economia e da distribuição da terra em todas as regiões. Foram estudados os principais processos que influenciaram na constituição do estado e na sua caracterização enquanto estrutura agrária.

O segundo capítulo é dedicado ao estudo do Sudoeste do Paraná, buscando realizar uma contextualização da pesquisa no tempo e no espaço. No primeiro subtítulo, é estudado o início de sua ocupação, desde a influência das reduções jesuíticas do Guairá, passando pelos caminhos de tropas, pela Colônia Militar do Chopim e pelas disputas territoriais entre Brasil e Argentina e entre o Paraná e Santa Catarina, até o momento em que a região Sudoeste passa a fazer definitivamente parte do Paraná.

O segundo subtítulo se dedica ao estudo dos processos de ocupação do território a partir do início do século XX, até a implantação da Colônia Agrícola Nacional General Osório (doravante CANGO). No terceiro subtítulo, são estudados o conflito agrário e o confronto armado, a partir dos diversos estudos já realizados e de novos elementos que foram incorporados à reflexão.

  O terceiro capítulo se dedica ao estudo e à discussão do papel do GETSOP na solução do conflito agrário no Sudoeste do Paraná por meio da transformação das posses das terras em propriedades. Para buscar uma compreensão mais aprofundada da caminhada realizada no Sudoeste na resolução do conflito, o estudo foi dividido em três subtítulos. O primeiro se dedica ao período entre o fim da Revolta de 1957 e a implantação do GETSOP; o segundo busca o olhar do GETSOP sobre o processo de regularização fundiária, partindo das bases oficiais da compreensão sobre o que significava resolver o conflito agrário; e o terceiro se concentra no estudo do olhar dos posseiros sobre o conflito e sobre a ação do GETSOP, buscando explicitar a compreensão deles sobre a solução do conflito agrário.

Esta pesquisa se propõe a dar um passo a mais em relação ao que já foi realizado nos estudos sobre o tema, buscando contribuir para a grande tarefa coletiva de compreender a história do Sudoeste, tendo como ponto de partida o ponto de chegada de muitos outros pesquisadores que já se debruçaram sobre a questão agrária no Sudoeste do Paraná.

Jaci Poli

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Publicado

16 April 2021