Currículo Inovador: Experiências Didáticas no IFPR Jacarezinho

Autores

Hugo Emmanuel da Rosa Corrêa
Instituto Federal do Paraná
Rodolfo Fiorucci
Instituto Federal do Paraná
Sergio Vale da Paixão
Instituto Federal do Paraná

Sinopse

Talvez uma das mais nevrálgicas discussões da educação contemporânea seja a que diz respeito ao conjunto de saberes que são  praticados e ensinados nos ambientes escolares e as implicações do ato de ensiná-los.

Se, em um exercício retórico, propuséssemos que cada um que lê este texto elencasse saberes fundamentais que deveriam ser  estudados nas escolas (não estamos nos referindo a conteúdos ou matérias, pensamos em saberes em um sentido mais amplo) teríamos uma imensa lista de conhecimentos incrivelmente diversos, com prováveis convergências, mas muitas diferenças.

Se continuássemos no exercício acima questionando o porquê cada um percebeu aqueles saberes como fundamentais,  provavelmente chegaríamos à conclusão que cada um, por suas vivências, criou um sentido, uma percepção de saberes que são importantes e prioritários tanto para a vida presente como para a vida futura e, não raro, vários destes saberes elencados e  justificados não são objetos de trabalho nas escolas ou sequer são considerados importantes. Levando-se em conta o exercício  supracitado podemos afirmar que cada qual possui uma percepção de prioridades e relevância dos saberes.

A obra que o leitor tem em mãos parte das inquietações acerca desses saberes e conhecimentos que, sem dúvida, são coletivos e compartilhados socialmente, mas inegavelmente são assimilados em muitos aspectos individualmente, em tempos e com interesses diversos; direcionados, reorientados, desconstruídos e reconstruídos mediante a ação, interesse e capacidade do sujeito.

Isto é, se a absorção e sentidos dos saberes é prioritariamente individual (embora realizado coletivamente), por que até hoje se ignorou o importante papel dos(as) estudantes e, porque não dos(as)professores(as), no exercício de ensino-aprendizagem? Por que os currículos chegam prontos, os conteúdos já delineados e até mesmo o tempo e o como se ensina e aprende são encartilhados”, promovendo a paralisia do sistema educacional e de seu repensar constante, especialmente pelos agentes e protagonistas do processo?

Neste sentido, ressaltam as questões: se as histórias de vida, origens, expectativas de futuro, percepções de mundo etc., são tão distintas, o que faz com que a escola tenha apenas um currículo? E mais ainda: porque existem saberes considerados válidos e outros considerados inválidos? Quem define o rol de saberes válidos? Quais interesses mediadores foram movimentados nesta seleção?

Inegavelmente, desde o início do século XX, as políticas curriculares são massificadas e homogeneizadoras para construir uma sociedade a partir de parâmetros escolhidos por uma burocracia estatal criada para este fim. No final do século XX e início do XXI, os currículos escolares passaram a ser cada vez mais estudados e criticados, em especial, por não conseguirem responder às demandas de gerações cada vez mais conectadas a aparatos tecnológicos que promovem acesso a conhecimentos de um escopo variadíssimo.

Em síntese, a escola, que era protagonista do processo de acesso ao conhecimento, tem se tornado cada vez menos significativa e precisa encontrar alternativas para lidar com estudantes do século XXI. 

Desta forma, no contexto destas necessidades, o IFPR campus Jacarezinho se propôs a tentar encontrar alternativas que conseguissem convergir, dentro de uma estrutura educacional-administrativa, às necessidades de um mundo em mudanças, com os objetivos e a missão dos Institutos Federais: remodelando o ensino técnico integrado via uma estrutura curricular que contemplasse as diversidades de docentes e discentes, respeitando as variadas histórias de vida e perspectivas futuras, promovendo um ensino de qualidade, que tem como meta a construção de uma sociedade mais justa e apta para os tempos hodiernos.

Para tanto, por meio de grupos de trabalhos compostos por docentes e técnicos administrativos, começou-se a delinear o que seria configurado como uma estrutura curricular flexível que permitisse ao estudante a construção de seu próprio itinerário formativo.

O estudante, a partir de sua história de vida, suas virtudes e limitações, o desenvolvimento de seus processos metacognitivos e suas perspectivas de futuro, escolhe periodicamente o que vai estudar e vai compondo seu trajeto, construindo seu caminho, caminhando e refletindo sobre suas escolhas, sua aprendizagem e seu futuro.

Neste modelo, as matérias ou disciplinas abrem espaço ao conceito de Unidades Curriculares (UC), que são partes do  conhecimento, mas que não se desvinculam dele. Tal qual estruturas fractais, as Unidades Curriculares pretendem ser representativas do todo sem perder a ligação com ele. Estas Unidades Curriculares, que preferencialmente procuram ser temáticas, transdisciplinares, interdisciplinares, próximas à vida dos estudantes, devem exigir o mínimo de pré-requisitos e ter começo e fim nela mesma.

As Unidades Curriculares podem ser pautadas em projetos, conteúdos, objetivos, ações, problemas; podem ter um, dois ou mais professores(as); podem versar sobre assuntos do cotidiano, assuntos de vestibular/ENEM, conteúdos tradicionais, assuntos polêmicos, construções históricas, questões sociais; podem ter quatro, dez ou quarenta estudantes que podem assistir aulas expositivas, criar projetos de intervenção na comunidade, criar robôs, realizar trabalhos de campo, desenvolver produtos inovadores ou simplesmente ler e/ou produzir livros.

Não existem barreiras com relação a formas tradicionais de conteúdos ou de se lecionar, pois sabemos que cada docente possui  seu tempo de maturação e que boa parte do saber docente é experiencial, ou seja, motiva-se a mudança, mas não se limita o docente, que deve estar à vontade com seu conteúdo e metodologia para que os(as) estudantes aprimorem sua capacidade de  absorção e significação dos conteúdos e objetivos trabalhados. Também não se colocam limites à criatividade na proposição de assuntos, metodologias e trabalhos com os(as) estudantes.

As Unidades Curriculares surgem a partir das reuniões de cada área do conhecimento (Ciências humanas, Ciências da natureza, Linguagens e Códigos e Núcleo Técnico), que buscam tecer uma rede de conhecimentos que atenda as diretrizes curriculares, os vestibulares, as pautas regionais, os anseios dos(as) estudantes e, ainda, promovam uma formação cidadã e crítica. Elas são  propostas tentando tapar lacunas ou ressaltar aspectos relevantes, podem ligar mais que uma área do conhecimento, relacionar as áreas do conhecimento com a realidade ou ainda levar o(a) estudante a fazer estas conexões. Mas as Unidades Curriculares
podem surgir também a partir de demandas dos(as) estudantes, fruto de suas inquietações e conflitos.

Quando todo o repertório de unidades curriculares está construído e distribuído ao longo dos horários da semana aproximadamente 230 unidades curriculares na semana), os(as) estudantes realizam o exercício da escolha. Com o passar do tempo, os(as) estudantes ganham a percepção de que escolher não é pegar algo pra si, mas sim abrir mão de todo o resto que  está ao redor. Para cada unidade que se escolhe, deixam-se de lado dez outras que poderiam ser tão atraentes quanto a que se escolheu.

Escolhas!

Escolher é o exercício da reflexão e da consciência. Quando se leva o(a) professor(a) a refletir e escolher o que e como trabalhar com os(as) estudantes, realiza-se sua valorização, seu empoderamento. O mesmo ocorre com o(a) estudante quando se abre espaço para a escolha do que estudar; ainda que muitos creiam que ele não tem capacidade para isso, coloca-se o sujeito frente a um imenso exercício reflexivo sobre quem ele é e sobre quem quer ser.

Talvez não seja possível em poucas páginas explicar todo o contexto e a envergadura da mudança, mas, o que se segue são relatos de professores(as) que criaram e aplicaram Unidades Curriculares, algumas bem sucedidas, outras com
necessidades de aperfeiçoamentos, mas sempre com uma compreensão: de que a mudança é possível e necessária!

Este livro apresenta uma proposta de mudança, uma tentativa de se repensar o processo de ensino-aprendizagem capitaneada por um grupo de professores e técnicos-administrativos do Campus Jacarezinho do Instituto Federal do Paraná. Esperamos que seja um incentivo a novas mudanças e transformações, que seja um alento no árido deserto que se transformou a educação pública brasileira.

Contudo, mais que isso, que seja uma fagulha de inquietações, um manancial de provocações e, por fim, um ponto de partida para, pelo menos, se pensar a educação brasileira, seja via críticas, elogios ou adaptações.

Boa Leitura!

Os organizadores

Downloads

Publicado

6 September 2018